Por Cléber Alves e Carol Bull
O curta retrata o despertar de um personagem superficial, que não tem nome nem fala. Ele não é apresentado para o público, e podemos ver somente fragmentos de seu corpo. Também não há cor, refletindo o tédio conseqüente da rotina de uma pessoa tipicamente urbana, resultado de todas as mudanças que resultaram na contemporaneidade. Há não só a repetição dos atos, praticamente robóticos de tão "usados", mas também da trilha sonora, em "looping". Ele caminha até o banheiro, escova os dentes, faz suas necessidades, e olha pela janela pensativo. Neste momento a trilha sonora muda: há uma quebra. A utilização de uma imagem totalmente antiestética mostra um acontecimento diferente nesta rotina -- o personagem vomita, significando seu cansaço, sua vontade de rompimento com aqueles acontecimentos tão recorrentes. A utilização desta imagem (e de muitas outras) reflete em uma escolha: quebrar com a estética tradicional do cinema, utilizando imagens que incomodam (e podem até enojar) a maior parte das pessoas.
Depois deste "evento" o personagem volta para o quarto e depara-se com outra pessoa deitada em sua cama. O movimento em suas mãos demonstra o ódio e a raiva, perante tal invasão de sua privacidade. Ele pega um travesseiro e sufoca o possível invasor de seu leito, com imagens que alternam o rosto (mostrado em sua completude pela primeira vez) com os pés de sua vítima. Parece-nos que ele está, na verdade, nos sufocando; isso refletido pelo ponto de vista da câmera, colocada na posição do invasor, provavelmente a forma como ele observaria seu sufocador se não tivesse um travesseiro em cima de seu rosto. Ele nos mata, nos sufoca, pois não consegue suportar a idéia de ter sua privacidade invadida, nem consegue encarar uma mudança tão brusca em sua rotina. Ele é um ser condicionado, e as mudanças despertam nele um instinto que é controlado por várias esferas sociais que nos impõe o "comportamento civilizado". Neste momento, ele é só instinto, abandonando totalmente suas "faculdades mentais". Segundo Freud e seus níveis de divisão do subconsciente, podemos dizer que ele é tomado pelo id e suas pulsões de morte. O alter-ego não consegue filtrar tais pulsões, e o personagem é tomado totalmente por um sentimento de "fazer morrer".
Ao término do sufocamento o homem vê então que o invasor que tanto se debateu na sua cama nada mais era do que ele mesmo. Em pânico o homem leva às mãos a cabeça e grita um grito que só podemos imaginar. Temos apenas sua expressão de dor e desespero em frente ao corpo imóvel dele mesmo, e a trilha sonora que nos influencia.
De repente, o ocorre um "susto" e há um fade-out branco. A câmera passeia pelo rosto do personagem, que ainda dorme, o que demonstra que tudo o que havia acontecido não se passava de pesadelo. Ele se debate e levanta, percebendo sua realidade. Ele suspira, mostrando que toda sua angústia vai embora com o ar que sai de seus pulmões, causada provavelmente pela música que ainda toca, agora mais baixa, vinda de fora do ambiente, agressiva, mas nem tanto.
Neste momento, abro um parênteses sobre a luz do vídeo. Ela é prioritariamente dramática; os contrastes entre momentos de escuridão e de luz dão um ar de mistério e suspense. Além disso, durante a maior parte do curta não podemos "acessar" a aparência do personagem, pois nunca é mostrando por inteiro na luz. Isso só acontece na escuridão, o que impede o espectador de ver o seu rosto. Isso também reflete como está seu humor: na escuridão de seu quarto, ele é puro ódio e instinto, características que ligamos à cor preta e cinza, predominantes nesse momento.
Podemos perceber que sim, houve uma mudança em sua rotina matinal, mas não tão grande. Foi apenas um pesadelo, reflexo de sua vida real, triste e infeliz, contemporânea e urbana, paranóica e controlada.
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
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